Li recente o livro Deus não é cristão do bispo sul-africano Desmod Tutu. Como o próprio sub-título aponta, o livro é uma compilação de provocações feitas pelo ganhador do Prêmio Nobel da Paz em palestras e escritos que versam sobre a tolerância e o respeito religioso, a diversidade e a questão da justiça social e internacional e a liberdade, além, é claro, de apresentar um pouco de sua reflexão sobre o regime do apartheid e as experiências da chamada Comissão da Verdade e Reconciliação na África do Sul.
Eu diria, inicialmente, que o pensamento de Tutu é uma inestimável contribuição africana ao cristianismo. Pois, nas palavras do reverendo: "A teologia negra incidentalmente desafia outras teologias a ser cada vez mais bíblicas."
Mas, o que me chama a atenção em especial é a provocação que dá título à obra: Deus não é cristão! Antes de pensar em tal afirmação como uma heresia, porém, é preciso ouvi suas palavras e aceitar seu convite à reflexão: "Nossa fé, a sabedoria que diz que Deus está no controle, deve nos preparar para assumir o risco, para sermos aventureiros e inovadores; sim, para ousarmos caminhar onde até mesmos os anjos temem caminhar."
Desmond Tutu parte da assertiva de uma familiaridade com o divino que pode ser vivenciada tanto como indivíduo quanto como comunidade; e isso independe do credo religioso a que se está ligado pois "Deus estava, e está, acessível a todas as criaturas humanas". Além do mais, reconhece Tutu, é o que ele chamou de "acidentes do nascimento e da geografia" que vai influenciar de modo quase determinante o credo que eventualmente seguimos.
Ora, querer limitar Deus as nossas próprias experiências religiosas (mesmo que legítimas) é descaracterizá-lo, enquanto Deus. "Deus é infinito e nós eternamente finitos" e, com certeza, fomos todos criados conforme sua imagem e semelhança para sua glória. Por outro lado: "Deus continua sendo Deus, quer tenha adoradores ou não."
Sendo verdadeira esta constatação, o que acredito que é, então devo admitir que o Deus cristão revelado e nas Sagradas Escrituras não pode se resumir ao modo cristão de conhecê-lo e adorá-lo.
E mais, ainda segundo Tutu: "Não é desonra alguma para Deus dizer que toda verdade, todo senso de beleza, toda consciência e todo desejo de bondade tem apenas uma fonte, e que essa fonte é Deus, o qual, por sua vez, não pode ser confinado a um lugar, a um tempo e a um povo."
Duas questões então me são apresentadas para a reflexão: se Deus pode ser tocado em outras manifestações religiosas, então: somos afinal todos iguais? E ainda: o que fazer do meu cristianismo? Permita-me dar a palavra ao próprio Desmond Tutu:
Quanto à primeira questão, é certo que "reconhecer que outros credos devem ser respeitados e que obviamente proclamam verdades religiosas profundas, entretanto, não equivale a dizer que todos os credos são iguais. Está claro que não são iguais."
E quanto a nossa fé e sua missão:
Oxalá vejam o impacto que o Cristianismo exerce sobre o caráter e sobre a vida de seus adeptos, de modo que os não cristãos queiram, por sua vez, se tornar cristãos, assim como os pagãos dos tempos primevos foram atraídos para a igreja não tanto pelas pregações quanto pelo que enxergavam na vida dos cristãos, o que os fazia exclamar, espantados: "Como esses cristãos amam uns aos outros!"