Na primeira mensagem, postada no último sábado (11/04/2020), afirmei que são as lideranças eclesiásticas (principalmente as pastorais) que, por desvio de função, incapacidade de ler os “sinais dos tempos”, ambição de poder e riqueza, além do exercício autoritário da função de serviço que deveriam exercer, mais têm contribuído para a descaracterização do cristianismo no mundo e para a crise de credibilidade que enfrenta.
Propus-me, então, a analisar a crise de hoje fundamentado nos ensinos e exemplos de vida de Jesus, através dos três olhares e de três posicionamentos importantes para todos aqueles que se disponham a servir ao povo de Deus como seus pastores e líderes.
Os olhares a que me refiro implicam na visão que temos do tema ou da realidade que estamos examinando e que resulta do conjunto de conceitos e crenças que conformam a nossa mente. Conforme pensemos, construiremos a nossa visão pessoal do que está à nossa frente e sendo objeto da nossa análise.
Os posicionamentos, por sua vez, são a consequência natural da visão ou percepção (ou não) a que cheguemos e, como consequência, ou produzem uma atitude que nos levará a ver tudo como normal e a acomodar-nos, ou nos fará ver a realidade nua e crua à nossa frente, sem escamas nos olhos, e gerará uma atitude de indignação, de rejeição do “status quo” e de enfrentamento da realidade percebida, objetivando a sua transformação, como foi o caso de Isaías, mostrado no capítulo seis, versos 1 a 9 da sua profecia.
A partir da perspectiva conceitual acima exposta e do nosso compromisso cristão, analisemos o tema proposto no título desta série, principalmente sob os fundamentos da vida e dos ensinos de Jesus, considerando os três olhares ou posicionamentos essenciais que, no meu modo de ver, devem caracterizar aqueles que se disponham a servir ao povo de Deus, como seus pastores e líderes.
1- O OLHAR PARA JESUS
- Aquele que se entregue ao pastorado precisará manter os olhos continuamente fixos em Jesus, sua vida e seus ensinos, para que o tenha sempre como sua inspiração e modelo, sem sucedâneos ou substitutos. É isso que dará ao pastor o conteúdo fundamental da sua vida devocional e pastoral, sem o que serão vazias de conceitos e sentido cristão e o exporão a viver o seu dia-a-dia sem a inspiração e a presença didática e transformadora do Espírito Santo.
- Olhar para Jesus levará o pastor a não se desviar, a partir da escolha, por exemplo, de pastores que se apresentam como “sucesso” e são transformados em “mitos” aos quais siga acriticamente, sem perceber que isso o está levando para longe do pastorado como ensinado e vivido por Jesus.
Como consequência, virão também o alto preço da perda da sua autonomia pessoal e da igreja que pastoreia, do atrofiamento da criatividade de ambos, do abandono da identidade e singularidade da igreja, levada “voluntariamente”, a aceitar o novo modelo proposto pelo “pastor-mito” de grande sucesso, e o começo de um novo tempo de mimetismo e altos custos financeiros, traduzidos na implantação de uma nova estrutura eclesiástica e na lubrificação de suas engrenagens, sem qualquer garantia de que o modelo escolhido funcionará em condições sociais e culturais bem diferentes daquelas em que foi gestado.
- Olhar continuamente para Jesus evitará que o pastor procure sua promoção pessoal, seu crescimento como a “estrela” da comunidade a que deveria servir, e o fará focado em que tudo que pense, fale e faça esteja fundamentado nos ensinos e exemplos de vida de Jesus e contribua para que ele mesmo, nosso Senhor Jesus Cristo, seja glorificado. Dirá como João Batista o fez e viverá segundo esta perspectiva: “Estar diante dele é a minha alegria, que agora se completa. É necessário que ele cresça e que eu diminua”. (João 3:29 e 30). E afirmará, como Paulo:
- Olhar para Jesus evitará que o pastor se dobre às tentações da fama, do dinheiro, do poder, do prestígio social e denominacional, e faça do ministério que desenvolva um trabalho voltado para ele mesmo, dele dependente, por ele condicionado e, também, fadado a ter o seu fim no momento em que dele se afaste, pois pastores, indivíduos que são, como Deus os criou, não têm sucessores que sejam iguais a ele. Não há, sequer, dois pastores que sejam iguais na face da terra.
- Olhar para Jesus levará o pastor a uma atitude receptiva aos seus ensinos e exemplos, ao tempo em que a uma atitude crítica quanto ao que lhe seja posto como modelos a serem seguidos, exemplos a serem imitados, casos de sucesso a serem replicados, autoridades eclesiásticas e humanas em geral que lhe sejam apontadas como inerrantes e dignas de serem cegamente seguidas, e “manifestações de poder” que nada mais sejam do que manipulação da fragilidade emocional e da falta de bases conceituais e espirituais (espiritualidade) dos que acorrem em sua busca.
- Olhar para Jesus fará com que o pastor viva com leveza, alegria e gratidão o ministério pastoral, sabendo que o seu Senhor, aquele que o enviou, nunca dele se afastará e está a dizer-lhe, como a Josué (1:9): “Não te mandei, eu? Esforça-te, e tem bom ânimo; (nas dificuldades) não temas, nem te espantes; porque o Senhor teu Deus é contigo, por onde quer que andares”.
Fará com que o pastorado seja uma experiência feliz, do qual somente sejam dignas de lembrança as muitas e variadas experiências em que o amor, a bondade, os cuidados e a sabedoria divina se mostraram concretos nas inumeráveis ocasiões em que a(s) igreja(s), tocaram sua vida com o amor de Deus.
Pastor Torres